Júlio César - Mitológia Romana | NERD Mitológico
O general mais famoso do mundo era, na verdade, um mestre conciliador e um gênio da política. Seu nome virou sinônimo de imperador, mas ele nunca pisou no trono. Conheça os paradoxos da vida de Júlio César
Os gênios, diz a lenda, nascem prontos. Quase todo mundo já escutou histórias intermináveis sobre Mozart encantando soberanos da Europa com meros 5 anos de idade, ou sobre Pelé deixando os suecos boquiabertos quando não passava de um meninote de 17. Mas, para o homem cujo nome virou sinônimo (literalmente) de imperador e general, as coisas ocorreram bem mais devagar. Ele teve de esperar a maturidade para conseguir mostrar a que veio, galgando o poder aos poucos, de mansinho – ascensão que, aliás, combinava bem com a personalidade desse mestre conciliador. César governou para valer os gigantescos domínios de Roma por apenas quatro anos, mas a influência do “Divino Júlio”, como seus conterrâneos passaram a conhecê-lo depois da morte, dura mais de dois milênios.
Ganhar fama de divino, aliás, era algo que andava nos planos da família de Caio Júlio César desde que Roma era Roma. Ou quase: há quem diga que, na verdade, a gens(família expandida ou clã, para os romanos) chamada Iulia viera de Alba Longa, uma cidade vizinha no Lácio. Seja como for, os orgulhosos antepassados de Caio Júlio diziam ter surgido de Iulus, um dos filhos de Enéias, o nobre troiano com pai mortal e mãe divina – ninguém menos que Vênus. “Assim, misturam-se à nossa raça a santidade dos reis, que tão poderosa influência exercem sobre os homens, e a majestade dos deuses, que mantêm debaixo de sua autoridade os próprios reis”, teria se vangloriado César, durante um discurso, de acordo com o historiador romano Suetônio, que viveu entre os anos 64 e 141.
Mania de grandeza à parte, o fato é que o jovem Júlio, nascido por volta do ano 100 a.C. (a data exata é um tanto controversa), não teve muita chance de alardear ou de lucrar nada com sua origem divina durante a juventude. A coisa mais esperta a fazer era ficar de boca fechada, porque ele cresceu durante um dos períodos mais turbulentos da história romana. Por séculos, a cidade-estado tinha sido governada pela esquisita mistura de oligarquia e democracia que os romanos chamavam de república, com o poder distribuído (desigualmente, é verdade) entre os legisladores do Senado, o “poder executivo” representado pelos cônsules e a pressão constante do povo romano, que participava de eleições e era representado pelos tribunos.
Esse sistema centenário e complicado não passou incólume pela onda expansionista que, durante os séculos 3 e 2 a.C., transformou Roma na senhora absoluta do Mediterrâneo. Os camponeses livres que antes formavam a base da sociedade, da economia e da força militar romana passaram a ficar cada vez mais para trás na competição com os grandes latifundiários e sua multidão de escravos capturados nas regiões dominadas. E, se o objetivo era conquistar, cada vez mais ter um comando militar significava ter o poder de fato, se não de direito. O resultado de toda essa mudança é que a vida política passou a se dividir em dois grupos informais. Eram os Optimates, o partido aristocrático, que não estava nem um pouco preocupado em aliviar os problemas sociais da nova superpotência, e os Populares, que reconheciam essa necessidade – no mínimo para tentar usar a seu favor a boa vontade do povo e do exército.
Ocorre que, assim como seu tio, o grande general Mário, César era um dos Populares – e eles sofreram um senhor golpe quando o líder aristocrático Sila derrotou Mário e se tornou o líder supremo da República em 82 a.C. Sila iniciou uma série de expurgos políticos depois de subir ao poder, e o jovem César precisou de uma boa dose de esperteza e sorte para escapar imaculado das perseguições. “Essa talvez seja a melhor explicação para o fato de César só ganhar destaque num momento relativamente tardio da sua vida. As circunstâncias fizeram com que pessoas do partido de Mário, como ele, fossem barradas pelo regime de Sila”, afirma o historiador e arqueólogo Pedro Paulo Funari, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Talvez a ajuda de alguns amigos influentes entre a aristocracia tenha feito com que Sila poupasse a vida de César e o enviasse à Ásia para participar do cerco a Mitilene, uma cidade grega que havia se aliado ao maior inimigo de Roma na época, o rei Mitridates do Ponto (no atual mar Negro). Foi ali que ele conheceu o rei Nicomedes da Bitínia e iniciou com o nobre de origem helênica um relacionamento que muita gente chegou a considerar como amoroso.
Com ou sem esse caso de amor homossexual, o fato é que o período vivido na Ásia Menor foi uma experiência proveitosa para César. Como todos os jovens com aspirações políticas de seu tempo, ele se interessava por retórica e oratória, e decidiu partir para a ilha grega de Rodes para estudar os dois temas com os grandes mestres helênicos. É possível que sua fama de grande escritor (exemplificada pelos clássicos Da Guerra da Gália e Da Guerra Civil) se deva às lições que tomou nessa época.
Mas talvez o mais interessante tenha sido o que se deu durante a ida de César a Rodes. Se os escritores clássicos são dignos de crédito, a situação foi cinematográfica: capturado por piratas, o jovem César passou 40 dias em cativeiro enquanto aguardava seu resgate ser pago, conversando e brincando animadamente com seus captores e até exigindo que eles elevassem o valor que pediam por sua vida, por considerá-lo baixo demais. Em meio a toda essa camaradagem, contudo, César avisou que iria voltar depois de libertado e punir o bando todo. Claro que ninguém levou a ameaça a sério, mas a primeira coisa que o romano fez ao ser solto foi reunir uma frota, capturar os bandidos e mandar crucificá-los.
Como não há mal que sempre dure, Sila renunciou ao poder e morreu em 78 a.C., o que permitiu a César um retorno seguro a Roma e a possibilidade de iniciar uma carreira política. Logo tornou-se conhecido pela defesa de causas consideradas populares, como os direitos dos habitantes das províncias e a distribuição de terras a veteranos de guerras. Foi assim que ganhou seu primeiro comando militar importante, tornando-se procônsul da Hispânia – trecho da península Ibérica que englobava tanto áreas da Espanha quanto do atual Portugal.
César cumpriu com perfeição seu dever de pacificar os bárbaros locais, mas, conta o biógrafo grego Plutarco (que viveu no século 1), não estava satisfeito com o rumo de sua carreira até ali. Ao ler sobre os triunfos de Alexandre Magno, ele teria começado a chorar de repente. Seus amigos perguntaram qual era problema, e ele respondeu: “Não vos parece ser digno de tristeza que, na minha idade, Alexandre já era rei de tantos povos, enquanto eu ainda não consegui nenhum sucesso tão brilhante?”.
Verdade ou não, a anedota de Plutarco virou quase uma deixa para a ofensiva em busca do poder que César iniciou daí em diante. Ao lado de Crasso e Pompeu, dois aristocratas ambiciosos que haviam conseguido fama e influência graças a suas vitórias militares, César formou uma aliança que passaria a ser conhecida como o Primeiro Triunvirato. Ao contrário do que muita gente imagina, o nome nada tem a ver com um cargo oficial. Ao contrário: para os romanos da época, o acordo entre o trio virou sinônimo de uma panelinha secreta e sinistra, na qual cada um se dispunha a facilitar as ambições políticas do outro. Uma espécie de pacto de não-agressão.
Não demorou muito para que o acordo funcionasse em favor de César, que galgou o posto mais alto da República, o de cônsul, em 59 a.C. De quebra, ganhou o comando das províncias da Gália Cisalpina (a região da Itália entre os Alpes e o rio Pó) e do Illyricum, nos atuais Bálcãs. Nessa época, César soube que os helvécios, um povo celta aparentado dos gauleses, estava prestes a realizar uma migração em massa para a Gália, atravessando a rica província romana do sul da atual França (chamada até hoje de Provença) e pondo em risco, alegou ele em seus escritos, os aliados gauleses de Roma.
Mas é claro que as motivações de César e de Roma eram bem mais complexas: “O livro Da Guerra da Gália não é uma descrição isenta, mas uma obra de propaganda comum no processo de expansão romana. Ele apresenta a guerra como justa, como ação defensiva. Pura retórica de guerra”, afirma Norberto Luiz Guarinello, professor de história da Universidade de São Paulo (USP).
Além disso, a versão dos gauleses como sendo um bando de chefetes tribais, eternizada por Asterix (o célebre personagem das histórias em quadrinhos), simplesmente não corresponde à realidade da época. A influência greco-romana era sentida havia séculos na Gália e as tribos celtas tinham, por exemplo, abandonado em grande parte a monarquia em favor de magistrados eleitos anualmente, à maneira de qualquer cidade-estado que se prezasse no Mediterrâneo. Muitos gauleses, como a tribo dos Aedui, viam vantagens no domínio romano, cedendo aos invasores homens e suprimentos. “Os romanos aliavam-se às elites locais, numa estratégia de incorporação, primeiro dessas elites e, mais tarde, da população em geral”, diz Pedro Paulo.
A campanha da Gália, que se estendeu até 50 a.C., marcou o ápice dos triunfos militares de César, que levou o estandarte das legiões romanas para os confins do mundo conhecido pelos seus compatriotas como a Germânia, além do rio Reno e da Grã-Bretanha. Segundo Plutarco, acima de tudo, ele se mostrou um mestre em inspirar a devoção em seus soldados e encorajá-los a seguir em frente mesmo diante de obstáculos aparentemente intransponíveis. Seus discursos viravam lendas e ele não fugia dos campos de batalha, sendo um magnífico guerreiro quando a cavalo. Em menos de dez anos, a Gália caiu sob domínio romano. Não houve aldeia que permanecesse irredutível.
Nesse meio tempo, entretanto, o triunvirato tinha virado fumaça. Crasso morreu numa malfadada tentativa de conquistar os partos, donos de um império na Mesopotâmia e na Pérsia. Pompeu, antes genro de César, cortou boa parte dos laços que tinha com o sogro quando Júlia (a filha de César) morreu ao dar à luz. O bebê viveu apenas alguns dias. O Senado, a principal força política de Roma, passou a temer a influência ascendente de César e concedeu a Pompeu autoridade sobre os exércitos da República. Os políticos de Roma exigiram que César renunciasse a suas legiões se quisesse voltar à cidade. E isso ele jamais faria.
De volta da Gália, ao se aproximar do rio Rubicão, tradicional fronteira com a Itália, César teria pronunciado a frase famosa “Alea jacta est”, ou “a sorte está lançada”. Ao atravessar o curso de água com seu exército, declarava suas intenções. Os partidários de Pompeu, ligados aos Optimates, deixaram Roma e organizaram a resistência a César em diversos pontos nas províncias. A guerra civil, repetindo o que ocorrera nos tempos de Mário e Sila, havia começado.
A vitória de César, porém, não tardou. As forças de Pompeu foram derrotadas na Itália, na Espanha e nos Bálcãs. A batalha decisiva entre os dois rivais se deu em Farsália, na Tessália (norte da Grécia), e a derrota de Pompeu foi quase completa. O perdedor escapou para o Egito, mas foi perseguido por César, que provavelmente o teria poupado, mas os ministros de Ptolomeu, o rei-menino egípcio, assassinaram-no na tentativa de agradar ao general vitorioso. Os partidários de Pompeu ofereceram alguma resistência, mas foi só questão de tempo até César pacificar todo o império em 46 a.C.
O domínio de César sobre Roma tornou-se então indiscutível. Assumindo o título de ditador perpétuo (uma alteração do velho cargo romano de ditador, que dava poderes quase ilimitados a um indivíduo durante emergências), ele passou a mandar e desmandar na escolha das magistraturas da República. Contudo, seu governo foi extremamente conciliatório se comparado aos expurgos e perseguições promovidos por Sila. Ele fez questão de tentar atrair para sua esfera de influência muitos dos antigos aliados de Pompeu, perdoando-os. “Diferenciar-se de Sila era, a partir dos anos 60, explorar um perfil político próprio em Roma e favorecer uma visão suprafacciosa do político. César ficou famoso por sua clemência”, afirma Norberto, da USP. “A política de César foi sempre a da cooptação”, diz Pedro Paulo, da Unicamp.
Ninguém sabe dizer qual seria o próximo passo do ditador. Os Optimates acusavam-no de querer tornar-se rei, cargo odiado pelos romanos desde que haviam acabado com a monarquia, no século 6 a.C., mas outros relatos se referem ao fato de César ter recusado a coroa real oferecida a ele por seus partidários durante cerimônias públicas. “Mas a maioria dos historiadores concorda que César era uma figura mais autocrática”, afirma Pedro Paulo. Depois de tudo, é difícil que ele concordasse em se submenter ao Senado.
Seja como for, qualquer plano que pudesse ter existido foi por água abaixo quando conspiradores da facção aristocrática do Senado cercaram César nos fatídicos idos (dia 15) de março de 44 a.C. Uma porção de punhaladas tirou a vida do ditador, que tentou se defender usando o estilo (uma espécie de pena de metal usada para escrever).
Na morte, mais uma polêmica. O fato de Brutus, que participou do assassinato, ser tradicionalmente identificado com seu filho adotivo provavelmente é falso. “Um erro de tradução”, diz Pedro Paulo Funari. “O relato que restou da execução originalmente estava em grego e nele César usa a palavra têknon, que pode ser tanto ‘criança’ quanto ‘filho’, para se referir a Brutus. Depois a palavra foi traduzido como filius para o latim. Mas, aparentemente, na época téknon tinha um significado pejorativo”, afirma. Portanto, em vez de “Até tu, Brutus, meu filho!”, o que César provavelmente disse ao morrer foi “Você também, Brutus, seu moleque!”
O crime dos Optimates não salvou a República. De um novo triunvirato e de uma nova guerra civil emergiu vitorioso Caio Octaviano, ou Augusto, o sobrinho-neto de César que se tornaria o primeiro imperador romano.
Homens e mulheres
César casou quatro vezes e teve muitas amantes
A vida sexual dos poderosos é vasculhada desde que o mundo é mundo, e a de César foi das mais movimentadas. Em geral, a fama que se atribui ao conquistador da Gália também é a de um conquistador das mulheres. Seus soldados o chamavam de “o calvo adúltero” (antes de completar 50 anos, César perdera todo o cabelo). Ele se casou quatro vezes, com Cosútia (divorciou-se), Cornélia (ela morreu), Pompéia (divorciou-se) e Calpúrnia, que sobreviveu a César. Com Pompéia, viveu uma situação particular. Um jovem apaixonado por ela, Clódio, invadiu a casa de César enquanto era celebrada uma festa em honra de Bona Dea, uma deusa cujos rituais não podiam ser vistos por homens. Clódio disfarçou-se de mulher, mas foi flagrado, o que gerou um escândalo em Roma. César divorciou-se de Pompéia, mas não puniu Clódio. Diante do juiz, que quis saber, então, por que estava se separando, ele teria dito: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. O mais tórrido e controverso affair do general parece ter sido mesmo o que teve com Cleópatra, que deixou de lado seu marido Ptolomeu para se entregar a César. Dizem que a rainha não era exatamente bonita, mas que seu charme, sua inteligência e cultura cativaram César de tal modo que ele a mandou trazer para Roma, alojando-a em sua própria casa. Da união dos dois teria nascido um filho, que ganhou o nome grego de Cesárion (a dinastia ptolomaica de Cleópatra era de origem macedônio-helênica). Pesam sobre César, ainda, rumores quanto a seus relacionamentos com outros homens. Em um debate no Senado, em que César parecia empenhado em defender os interesses do amigo Nicomedes (soberano que conhecera na Bitínia), alguém insinuou que “todos sabem o que tu deste a ele”. Os boatos eram tamanhos que as legiões de César, nas celebrações de suas vitórias em Roma, costumavam chamá-lo de “rainha da Bitínia”. Não que isso contribuísse para diminuí-lo aos olhos do povo, embora os romanos fossem menos tolerantes em relação ao homossexualismo que os gregos. “O importante é que o homem tivesse uma postura masculina, independentemente de ter relações com homens ou com mulheres”, diz Pedro Paulo Funari.
Grande guerreiro
César foi um opositor que não poupou violência contra seus inimigos bárbaros ou romanos
Gália
César teve de enfrentar a complexa política de alianças que unia as tribos gaulesas a Roma e opunha outras à superpotência. Os gauleses tinham uma cavalaria soberba e eram guerreiros corajosos, mas pouco disciplinados, de acordocom os relatos do general. O pior dos combates, e o mais glorioso para César, ocorreu em Alésia. Ali, de acordo com Plutarco, César teve de fazer cerco a 170 mil gauleses numa fortaleza, enquanto 300 mil o cercaram do lado de fora. O general resolveu o impasse construindo uma dupla de muralhas, uma protegendo-o contra os de dentro da fortaleza, outra contra os de fora, e saiu vitorioso.
Bretanha
A imensa ilha, habitada por várias tribos celtas, algumas das quais aparentadas dos gauleses, jamais havia visto a chegada de um exército das grandes potências do Mediterrâneo antes do desembarque de César. Embora tenha perdido grande quantidade de homens por causa de naufrágios e tempestades, o general puniu os bretões pela ajuda prestada aos gauleses e venceu chefes tribais das atuais regiões inglesas de Kent e Essex, recebendo deles reconhecimento formal de submissão. O verdadeiro domínio romano ali, no entanto, só seria estabelecido mais tarde.
Farsália
A batalha decisiva contra Pompeu e as forças dos Optimates ocorreu nessa região da Tessália famosa por suas planícies e adequada para o combate a cavalo. Foi exatamente com essa arma que Pompeu, em maior número e com uma cavalaria muito bem armada, estava contando. César decidiu atacar antes do inimigo e, de acordo com Plutarco, ganhou a dianteira ao instruir seus soldados a ferir com lanças o rosto dos cavaleiros, jovens aristocratas que não queriam ficar desfigurados e, por isso, debandaram. A derrota de Pompeu, que fugiu para o Egito, foi completa: 6 mil mortos e 24 mil capturados.
Egito
O orgulhoso comportamento de César depois de sua chegada a Alexandria no encalço de Pompeu logo fez com que a guarda real e o populacho da cidade pedissem a cabeça do general ao jovem rei Ptolomeu. Cercado em seu palácio com uma pequena força de 4 mil homens, César teve de esperar a chegada de nova legião para tentar escapar. Os combates, centrados no mar e no porto de Alexandria, foram encarniçados, e em determinado momento César foi forçado a nadar para salvar a própria pele. Reforços vindos da Síria, no entanto, permitiram que o general derrotasse Ptolomeu, morto numa batalha, e entregasse o poder a Cleópatra, que se tornara sua amante.
Bom de boca
César e as frases que entraram para história
Quase tudo aquilo que se conhece sobre os detalhes mais pessoais e sobre os discursos feitos por César vem dos seus próprios escritos, nos quais relata a guerra contra os gauleses e as batalhas contra os exércitos de Pompeu. Outra fonte, talvez a principal, são os biógrafos clássicos, em especial Suetônio, na sua A Vida dos Doze Césares, e Plutarco, em Vidas Paralelas, um trabalho monumental que relata a trajetória comparada de Alexandre, o Grande, e de Júlio César. Desnecessário dizer que esses textos são tanto história como literatura, e que embelezavam e expandiam significativamente os supostos feitos e discursos do personagem famoso ao longo de sua carreira. Plutarco pinta-o como um predestinado pelos deuses, enquanto Suetônio apresenta uma visão mais crítica. É significativo, no entanto, notar que ambos os trabalhos retratam César como um escritor, frasista e orador extremamente talentoso. O seu “Veni, vidi, vici”, ou “Vim, vi e venci”, tornou-se sinônimo de competência e controle rápido de situações. Diante dos corpos dos Optimates em Farsália, conta-se que ele teria dito “Hoc voluerunt”, “Assim o quiseram” – como quem diz que os aristocratas poderiam ter evitado o banho de sangue se fossem menos intransigentes.
A herança de Júlio César
"O kaiser nasceu em julho durante uma cesariana"
Não entendeu nada? Talvez ajude saber que a palavra que designa o soberano alemão, o nome do mês “sete” e a operação que substitui o parto normal têm o mesmo patrono. Ele próprio, o “JC” de Roma. Apesar de ter governado seu povo por pouquíssimo tempo, o impacto de César sobre a história e a cultura ocidentais foi imenso e talvez inédito. A começar pelo calendário juliano, organizado sob sua supervisão, que estabeleceu as bases para a contagem do tempo que ainda usamos hoje e só foi alterado significativamente no século 16 da era cristã. O mês de julho empresta seu nome de César, divinizado por Augusto depois de sua morte. O governante ficou famoso por embelezar Roma e ser um patrono mão-aberta das artes na capital do mundo antigo, plantando as bases para as realizações nessa área que seu sucessor iria realizar poucos anos mais tarde.
A coroa real nunca chegou a adornar sua cabeça, mas seu nome virou sinônimo (literalmente) de imperador em alemão (kaiser) ou russo (czar ou tzar). Por último, várias anedotas costumam associar a prática da cesariana ao fato de que César só teria nascido graças a uma operação pioneira realizada em sua mãe.
Fonte: Imperio Romano
Os gênios, diz a lenda, nascem prontos. Quase todo mundo já escutou histórias intermináveis sobre Mozart encantando soberanos da Europa com meros 5 anos de idade, ou sobre Pelé deixando os suecos boquiabertos quando não passava de um meninote de 17. Mas, para o homem cujo nome virou sinônimo (literalmente) de imperador e general, as coisas ocorreram bem mais devagar. Ele teve de esperar a maturidade para conseguir mostrar a que veio, galgando o poder aos poucos, de mansinho – ascensão que, aliás, combinava bem com a personalidade desse mestre conciliador. César governou para valer os gigantescos domínios de Roma por apenas quatro anos, mas a influência do “Divino Júlio”, como seus conterrâneos passaram a conhecê-lo depois da morte, dura mais de dois milênios.
Ganhar fama de divino, aliás, era algo que andava nos planos da família de Caio Júlio César desde que Roma era Roma. Ou quase: há quem diga que, na verdade, a gens(família expandida ou clã, para os romanos) chamada Iulia viera de Alba Longa, uma cidade vizinha no Lácio. Seja como for, os orgulhosos antepassados de Caio Júlio diziam ter surgido de Iulus, um dos filhos de Enéias, o nobre troiano com pai mortal e mãe divina – ninguém menos que Vênus. “Assim, misturam-se à nossa raça a santidade dos reis, que tão poderosa influência exercem sobre os homens, e a majestade dos deuses, que mantêm debaixo de sua autoridade os próprios reis”, teria se vangloriado César, durante um discurso, de acordo com o historiador romano Suetônio, que viveu entre os anos 64 e 141.
Mania de grandeza à parte, o fato é que o jovem Júlio, nascido por volta do ano 100 a.C. (a data exata é um tanto controversa), não teve muita chance de alardear ou de lucrar nada com sua origem divina durante a juventude. A coisa mais esperta a fazer era ficar de boca fechada, porque ele cresceu durante um dos períodos mais turbulentos da história romana. Por séculos, a cidade-estado tinha sido governada pela esquisita mistura de oligarquia e democracia que os romanos chamavam de república, com o poder distribuído (desigualmente, é verdade) entre os legisladores do Senado, o “poder executivo” representado pelos cônsules e a pressão constante do povo romano, que participava de eleições e era representado pelos tribunos.
Esse sistema centenário e complicado não passou incólume pela onda expansionista que, durante os séculos 3 e 2 a.C., transformou Roma na senhora absoluta do Mediterrâneo. Os camponeses livres que antes formavam a base da sociedade, da economia e da força militar romana passaram a ficar cada vez mais para trás na competição com os grandes latifundiários e sua multidão de escravos capturados nas regiões dominadas. E, se o objetivo era conquistar, cada vez mais ter um comando militar significava ter o poder de fato, se não de direito. O resultado de toda essa mudança é que a vida política passou a se dividir em dois grupos informais. Eram os Optimates, o partido aristocrático, que não estava nem um pouco preocupado em aliviar os problemas sociais da nova superpotência, e os Populares, que reconheciam essa necessidade – no mínimo para tentar usar a seu favor a boa vontade do povo e do exército.
Ocorre que, assim como seu tio, o grande general Mário, César era um dos Populares – e eles sofreram um senhor golpe quando o líder aristocrático Sila derrotou Mário e se tornou o líder supremo da República em 82 a.C. Sila iniciou uma série de expurgos políticos depois de subir ao poder, e o jovem César precisou de uma boa dose de esperteza e sorte para escapar imaculado das perseguições. “Essa talvez seja a melhor explicação para o fato de César só ganhar destaque num momento relativamente tardio da sua vida. As circunstâncias fizeram com que pessoas do partido de Mário, como ele, fossem barradas pelo regime de Sila”, afirma o historiador e arqueólogo Pedro Paulo Funari, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Talvez a ajuda de alguns amigos influentes entre a aristocracia tenha feito com que Sila poupasse a vida de César e o enviasse à Ásia para participar do cerco a Mitilene, uma cidade grega que havia se aliado ao maior inimigo de Roma na época, o rei Mitridates do Ponto (no atual mar Negro). Foi ali que ele conheceu o rei Nicomedes da Bitínia e iniciou com o nobre de origem helênica um relacionamento que muita gente chegou a considerar como amoroso.
Com ou sem esse caso de amor homossexual, o fato é que o período vivido na Ásia Menor foi uma experiência proveitosa para César. Como todos os jovens com aspirações políticas de seu tempo, ele se interessava por retórica e oratória, e decidiu partir para a ilha grega de Rodes para estudar os dois temas com os grandes mestres helênicos. É possível que sua fama de grande escritor (exemplificada pelos clássicos Da Guerra da Gália e Da Guerra Civil) se deva às lições que tomou nessa época.
Mas talvez o mais interessante tenha sido o que se deu durante a ida de César a Rodes. Se os escritores clássicos são dignos de crédito, a situação foi cinematográfica: capturado por piratas, o jovem César passou 40 dias em cativeiro enquanto aguardava seu resgate ser pago, conversando e brincando animadamente com seus captores e até exigindo que eles elevassem o valor que pediam por sua vida, por considerá-lo baixo demais. Em meio a toda essa camaradagem, contudo, César avisou que iria voltar depois de libertado e punir o bando todo. Claro que ninguém levou a ameaça a sério, mas a primeira coisa que o romano fez ao ser solto foi reunir uma frota, capturar os bandidos e mandar crucificá-los.
Como não há mal que sempre dure, Sila renunciou ao poder e morreu em 78 a.C., o que permitiu a César um retorno seguro a Roma e a possibilidade de iniciar uma carreira política. Logo tornou-se conhecido pela defesa de causas consideradas populares, como os direitos dos habitantes das províncias e a distribuição de terras a veteranos de guerras. Foi assim que ganhou seu primeiro comando militar importante, tornando-se procônsul da Hispânia – trecho da península Ibérica que englobava tanto áreas da Espanha quanto do atual Portugal.
César cumpriu com perfeição seu dever de pacificar os bárbaros locais, mas, conta o biógrafo grego Plutarco (que viveu no século 1), não estava satisfeito com o rumo de sua carreira até ali. Ao ler sobre os triunfos de Alexandre Magno, ele teria começado a chorar de repente. Seus amigos perguntaram qual era problema, e ele respondeu: “Não vos parece ser digno de tristeza que, na minha idade, Alexandre já era rei de tantos povos, enquanto eu ainda não consegui nenhum sucesso tão brilhante?”.
Verdade ou não, a anedota de Plutarco virou quase uma deixa para a ofensiva em busca do poder que César iniciou daí em diante. Ao lado de Crasso e Pompeu, dois aristocratas ambiciosos que haviam conseguido fama e influência graças a suas vitórias militares, César formou uma aliança que passaria a ser conhecida como o Primeiro Triunvirato. Ao contrário do que muita gente imagina, o nome nada tem a ver com um cargo oficial. Ao contrário: para os romanos da época, o acordo entre o trio virou sinônimo de uma panelinha secreta e sinistra, na qual cada um se dispunha a facilitar as ambições políticas do outro. Uma espécie de pacto de não-agressão.
Não demorou muito para que o acordo funcionasse em favor de César, que galgou o posto mais alto da República, o de cônsul, em 59 a.C. De quebra, ganhou o comando das províncias da Gália Cisalpina (a região da Itália entre os Alpes e o rio Pó) e do Illyricum, nos atuais Bálcãs. Nessa época, César soube que os helvécios, um povo celta aparentado dos gauleses, estava prestes a realizar uma migração em massa para a Gália, atravessando a rica província romana do sul da atual França (chamada até hoje de Provença) e pondo em risco, alegou ele em seus escritos, os aliados gauleses de Roma.
Mas é claro que as motivações de César e de Roma eram bem mais complexas: “O livro Da Guerra da Gália não é uma descrição isenta, mas uma obra de propaganda comum no processo de expansão romana. Ele apresenta a guerra como justa, como ação defensiva. Pura retórica de guerra”, afirma Norberto Luiz Guarinello, professor de história da Universidade de São Paulo (USP).
Além disso, a versão dos gauleses como sendo um bando de chefetes tribais, eternizada por Asterix (o célebre personagem das histórias em quadrinhos), simplesmente não corresponde à realidade da época. A influência greco-romana era sentida havia séculos na Gália e as tribos celtas tinham, por exemplo, abandonado em grande parte a monarquia em favor de magistrados eleitos anualmente, à maneira de qualquer cidade-estado que se prezasse no Mediterrâneo. Muitos gauleses, como a tribo dos Aedui, viam vantagens no domínio romano, cedendo aos invasores homens e suprimentos. “Os romanos aliavam-se às elites locais, numa estratégia de incorporação, primeiro dessas elites e, mais tarde, da população em geral”, diz Pedro Paulo.
A campanha da Gália, que se estendeu até 50 a.C., marcou o ápice dos triunfos militares de César, que levou o estandarte das legiões romanas para os confins do mundo conhecido pelos seus compatriotas como a Germânia, além do rio Reno e da Grã-Bretanha. Segundo Plutarco, acima de tudo, ele se mostrou um mestre em inspirar a devoção em seus soldados e encorajá-los a seguir em frente mesmo diante de obstáculos aparentemente intransponíveis. Seus discursos viravam lendas e ele não fugia dos campos de batalha, sendo um magnífico guerreiro quando a cavalo. Em menos de dez anos, a Gália caiu sob domínio romano. Não houve aldeia que permanecesse irredutível.
Nesse meio tempo, entretanto, o triunvirato tinha virado fumaça. Crasso morreu numa malfadada tentativa de conquistar os partos, donos de um império na Mesopotâmia e na Pérsia. Pompeu, antes genro de César, cortou boa parte dos laços que tinha com o sogro quando Júlia (a filha de César) morreu ao dar à luz. O bebê viveu apenas alguns dias. O Senado, a principal força política de Roma, passou a temer a influência ascendente de César e concedeu a Pompeu autoridade sobre os exércitos da República. Os políticos de Roma exigiram que César renunciasse a suas legiões se quisesse voltar à cidade. E isso ele jamais faria.
De volta da Gália, ao se aproximar do rio Rubicão, tradicional fronteira com a Itália, César teria pronunciado a frase famosa “Alea jacta est”, ou “a sorte está lançada”. Ao atravessar o curso de água com seu exército, declarava suas intenções. Os partidários de Pompeu, ligados aos Optimates, deixaram Roma e organizaram a resistência a César em diversos pontos nas províncias. A guerra civil, repetindo o que ocorrera nos tempos de Mário e Sila, havia começado.
A vitória de César, porém, não tardou. As forças de Pompeu foram derrotadas na Itália, na Espanha e nos Bálcãs. A batalha decisiva entre os dois rivais se deu em Farsália, na Tessália (norte da Grécia), e a derrota de Pompeu foi quase completa. O perdedor escapou para o Egito, mas foi perseguido por César, que provavelmente o teria poupado, mas os ministros de Ptolomeu, o rei-menino egípcio, assassinaram-no na tentativa de agradar ao general vitorioso. Os partidários de Pompeu ofereceram alguma resistência, mas foi só questão de tempo até César pacificar todo o império em 46 a.C.
O domínio de César sobre Roma tornou-se então indiscutível. Assumindo o título de ditador perpétuo (uma alteração do velho cargo romano de ditador, que dava poderes quase ilimitados a um indivíduo durante emergências), ele passou a mandar e desmandar na escolha das magistraturas da República. Contudo, seu governo foi extremamente conciliatório se comparado aos expurgos e perseguições promovidos por Sila. Ele fez questão de tentar atrair para sua esfera de influência muitos dos antigos aliados de Pompeu, perdoando-os. “Diferenciar-se de Sila era, a partir dos anos 60, explorar um perfil político próprio em Roma e favorecer uma visão suprafacciosa do político. César ficou famoso por sua clemência”, afirma Norberto, da USP. “A política de César foi sempre a da cooptação”, diz Pedro Paulo, da Unicamp.
Ninguém sabe dizer qual seria o próximo passo do ditador. Os Optimates acusavam-no de querer tornar-se rei, cargo odiado pelos romanos desde que haviam acabado com a monarquia, no século 6 a.C., mas outros relatos se referem ao fato de César ter recusado a coroa real oferecida a ele por seus partidários durante cerimônias públicas. “Mas a maioria dos historiadores concorda que César era uma figura mais autocrática”, afirma Pedro Paulo. Depois de tudo, é difícil que ele concordasse em se submenter ao Senado.
Seja como for, qualquer plano que pudesse ter existido foi por água abaixo quando conspiradores da facção aristocrática do Senado cercaram César nos fatídicos idos (dia 15) de março de 44 a.C. Uma porção de punhaladas tirou a vida do ditador, que tentou se defender usando o estilo (uma espécie de pena de metal usada para escrever).
Na morte, mais uma polêmica. O fato de Brutus, que participou do assassinato, ser tradicionalmente identificado com seu filho adotivo provavelmente é falso. “Um erro de tradução”, diz Pedro Paulo Funari. “O relato que restou da execução originalmente estava em grego e nele César usa a palavra têknon, que pode ser tanto ‘criança’ quanto ‘filho’, para se referir a Brutus. Depois a palavra foi traduzido como filius para o latim. Mas, aparentemente, na época téknon tinha um significado pejorativo”, afirma. Portanto, em vez de “Até tu, Brutus, meu filho!”, o que César provavelmente disse ao morrer foi “Você também, Brutus, seu moleque!”
O crime dos Optimates não salvou a República. De um novo triunvirato e de uma nova guerra civil emergiu vitorioso Caio Octaviano, ou Augusto, o sobrinho-neto de César que se tornaria o primeiro imperador romano.
Homens e mulheres
César casou quatro vezes e teve muitas amantes
A vida sexual dos poderosos é vasculhada desde que o mundo é mundo, e a de César foi das mais movimentadas. Em geral, a fama que se atribui ao conquistador da Gália também é a de um conquistador das mulheres. Seus soldados o chamavam de “o calvo adúltero” (antes de completar 50 anos, César perdera todo o cabelo). Ele se casou quatro vezes, com Cosútia (divorciou-se), Cornélia (ela morreu), Pompéia (divorciou-se) e Calpúrnia, que sobreviveu a César. Com Pompéia, viveu uma situação particular. Um jovem apaixonado por ela, Clódio, invadiu a casa de César enquanto era celebrada uma festa em honra de Bona Dea, uma deusa cujos rituais não podiam ser vistos por homens. Clódio disfarçou-se de mulher, mas foi flagrado, o que gerou um escândalo em Roma. César divorciou-se de Pompéia, mas não puniu Clódio. Diante do juiz, que quis saber, então, por que estava se separando, ele teria dito: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. O mais tórrido e controverso affair do general parece ter sido mesmo o que teve com Cleópatra, que deixou de lado seu marido Ptolomeu para se entregar a César. Dizem que a rainha não era exatamente bonita, mas que seu charme, sua inteligência e cultura cativaram César de tal modo que ele a mandou trazer para Roma, alojando-a em sua própria casa. Da união dos dois teria nascido um filho, que ganhou o nome grego de Cesárion (a dinastia ptolomaica de Cleópatra era de origem macedônio-helênica). Pesam sobre César, ainda, rumores quanto a seus relacionamentos com outros homens. Em um debate no Senado, em que César parecia empenhado em defender os interesses do amigo Nicomedes (soberano que conhecera na Bitínia), alguém insinuou que “todos sabem o que tu deste a ele”. Os boatos eram tamanhos que as legiões de César, nas celebrações de suas vitórias em Roma, costumavam chamá-lo de “rainha da Bitínia”. Não que isso contribuísse para diminuí-lo aos olhos do povo, embora os romanos fossem menos tolerantes em relação ao homossexualismo que os gregos. “O importante é que o homem tivesse uma postura masculina, independentemente de ter relações com homens ou com mulheres”, diz Pedro Paulo Funari.
Grande guerreiro
César foi um opositor que não poupou violência contra seus inimigos bárbaros ou romanos
Gália
César teve de enfrentar a complexa política de alianças que unia as tribos gaulesas a Roma e opunha outras à superpotência. Os gauleses tinham uma cavalaria soberba e eram guerreiros corajosos, mas pouco disciplinados, de acordocom os relatos do general. O pior dos combates, e o mais glorioso para César, ocorreu em Alésia. Ali, de acordo com Plutarco, César teve de fazer cerco a 170 mil gauleses numa fortaleza, enquanto 300 mil o cercaram do lado de fora. O general resolveu o impasse construindo uma dupla de muralhas, uma protegendo-o contra os de dentro da fortaleza, outra contra os de fora, e saiu vitorioso.
Bretanha
A imensa ilha, habitada por várias tribos celtas, algumas das quais aparentadas dos gauleses, jamais havia visto a chegada de um exército das grandes potências do Mediterrâneo antes do desembarque de César. Embora tenha perdido grande quantidade de homens por causa de naufrágios e tempestades, o general puniu os bretões pela ajuda prestada aos gauleses e venceu chefes tribais das atuais regiões inglesas de Kent e Essex, recebendo deles reconhecimento formal de submissão. O verdadeiro domínio romano ali, no entanto, só seria estabelecido mais tarde.
Farsália
A batalha decisiva contra Pompeu e as forças dos Optimates ocorreu nessa região da Tessália famosa por suas planícies e adequada para o combate a cavalo. Foi exatamente com essa arma que Pompeu, em maior número e com uma cavalaria muito bem armada, estava contando. César decidiu atacar antes do inimigo e, de acordo com Plutarco, ganhou a dianteira ao instruir seus soldados a ferir com lanças o rosto dos cavaleiros, jovens aristocratas que não queriam ficar desfigurados e, por isso, debandaram. A derrota de Pompeu, que fugiu para o Egito, foi completa: 6 mil mortos e 24 mil capturados.
Egito
O orgulhoso comportamento de César depois de sua chegada a Alexandria no encalço de Pompeu logo fez com que a guarda real e o populacho da cidade pedissem a cabeça do general ao jovem rei Ptolomeu. Cercado em seu palácio com uma pequena força de 4 mil homens, César teve de esperar a chegada de nova legião para tentar escapar. Os combates, centrados no mar e no porto de Alexandria, foram encarniçados, e em determinado momento César foi forçado a nadar para salvar a própria pele. Reforços vindos da Síria, no entanto, permitiram que o general derrotasse Ptolomeu, morto numa batalha, e entregasse o poder a Cleópatra, que se tornara sua amante.
Bom de boca
César e as frases que entraram para história
Quase tudo aquilo que se conhece sobre os detalhes mais pessoais e sobre os discursos feitos por César vem dos seus próprios escritos, nos quais relata a guerra contra os gauleses e as batalhas contra os exércitos de Pompeu. Outra fonte, talvez a principal, são os biógrafos clássicos, em especial Suetônio, na sua A Vida dos Doze Césares, e Plutarco, em Vidas Paralelas, um trabalho monumental que relata a trajetória comparada de Alexandre, o Grande, e de Júlio César. Desnecessário dizer que esses textos são tanto história como literatura, e que embelezavam e expandiam significativamente os supostos feitos e discursos do personagem famoso ao longo de sua carreira. Plutarco pinta-o como um predestinado pelos deuses, enquanto Suetônio apresenta uma visão mais crítica. É significativo, no entanto, notar que ambos os trabalhos retratam César como um escritor, frasista e orador extremamente talentoso. O seu “Veni, vidi, vici”, ou “Vim, vi e venci”, tornou-se sinônimo de competência e controle rápido de situações. Diante dos corpos dos Optimates em Farsália, conta-se que ele teria dito “Hoc voluerunt”, “Assim o quiseram” – como quem diz que os aristocratas poderiam ter evitado o banho de sangue se fossem menos intransigentes.
A herança de Júlio César
"O kaiser nasceu em julho durante uma cesariana"
Não entendeu nada? Talvez ajude saber que a palavra que designa o soberano alemão, o nome do mês “sete” e a operação que substitui o parto normal têm o mesmo patrono. Ele próprio, o “JC” de Roma. Apesar de ter governado seu povo por pouquíssimo tempo, o impacto de César sobre a história e a cultura ocidentais foi imenso e talvez inédito. A começar pelo calendário juliano, organizado sob sua supervisão, que estabeleceu as bases para a contagem do tempo que ainda usamos hoje e só foi alterado significativamente no século 16 da era cristã. O mês de julho empresta seu nome de César, divinizado por Augusto depois de sua morte. O governante ficou famoso por embelezar Roma e ser um patrono mão-aberta das artes na capital do mundo antigo, plantando as bases para as realizações nessa área que seu sucessor iria realizar poucos anos mais tarde.
A coroa real nunca chegou a adornar sua cabeça, mas seu nome virou sinônimo (literalmente) de imperador em alemão (kaiser) ou russo (czar ou tzar). Por último, várias anedotas costumam associar a prática da cesariana ao fato de que César só teria nascido graças a uma operação pioneira realizada em sua mãe.
Fonte: Imperio Romano
Nenhum comentário